quinta-feira, 29 de julho de 2010

Casal

Pé de caju
Sombra de dúvidas
Dívidas e mágoas
E sons de vento
Nessa barca
De tranqüilidade
E lamento

É o sol abrindo
Folha caindo
Criança sorrindo
E dita e feita
Continua a busca
Pela vida perfeita
Do choro bem-vindo
Do amor sem idade
Nem momento

Essa terra também é isso
Enguiço e chocolate
Mais do que felicidade
Tem doce de rio
Mar de mangue e sal
Entrada livre e enseada
Sob uma linda estrada
Moças e poças
Telas e louças
Pintadas sem igual
Em clima de cafezal

Houve até saudade
E por miragens
Um sinal
Sinal de que o céu
Só é mais lindo
Nesse ou em qualquer litoral
Com estrelas como véu
E quando vem cobrindo
A esperança de um casal

Obrigada

Pelas lembranças
Pelas esperanças
Pelas esperas
Pelas primaveras
Pelas estações
Pelas estadias
Pelas manias
Pelas manhas
Pelas entranhas
Pelas entradas
Pelas estradas
Pelos estragos
Pelas brigas
Pelas buscas
Pelas perdas
Pelos apertos
Pelos abraços
Pelas despedidas
Pelas partidas
Obrigada
Pelas idas
Pelas vindas
Pelos ainda
Pelas ações
Pelas canções
Pelos cansaços
Pelos espaços
Pelos sumiços
Pelos feitiços
Pelos feitios
Pelos feitos
Pelos objetivos
Pelas objeções
E obrigada
Principalmente
Por essa e outras muitas
Inspirações

sábado, 24 de julho de 2010

Açoite

À noite
Em certas feitas
Me escondo do perigo
Que mora em mim
Esqueço do fim
E abuso do abrigo
Que me endireita:
Seu açoite

Mancha

Mancha sórdida
Não venha
Que os Deuses dos Mares
E todos os frades
A atenha

Que a chuva ácida
Dos nossos céus pálidos
E quase cálidos
Possa alcalinizar seu manto
Neutralizar esse tanto
Fazer descanso
Nesse mundo louco
Que despejou
Todo o seu pouco

Porque do globo
Só sai esboço
No calabouço
De um lobo
Que come sem fome
Que chora sem água
Que vira sem dorso
Que chama sem nome

Terra
Que do chão não vem
Já que pelo desdém
Só enterra
Seu lixo sem vintém
E de cada catação
Só expurga o pinhão
Nem o coxo
Nem o manco
Nem a guerra sem perdão

Desfaça esse traço
E dizime cada traça
Pois esse oceano amplidão
Abençoado e tão parado
Não revolta sem razão
Só vai e volta
Se o homem
Idiota
O faz de vão

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Paixão

A alma saiu;
Despiu o corpo
E foi passear.

O amor,
Corpo esse singelo,
Então se desfaleceu.

Depois,
Outra dela voltou
E cobriu-lhe de ânimo;

Tal alma assentou naquele amor
Que, de novo, ficou vestido
De paixão:

A melhor fantasia de todas!

sábado, 17 de julho de 2010

Conselho

Um amigo me disse
Sem pressa
Pra eu fazer valer
Seguir o palpite
Arriscar uma conversa
Aceitar o convite
Deixar o amor nascer
E que o coração eu abrisse
Bem depressa
Sem medo de sofrer
Ou da aguda paixonite
Pois se, assim, dispersa
Eu não tivesse limite
Poderia, enfim, me perder

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Desapaixonar-se

É sabido exonerar-se
Prescinde aviso prévio
Nos cobra inteiro
Do que fará metade
E tem um triste cheiro
Que só de canto invade

Pode derramar
Ou de pranto encharcar-se
Por motivo de saudade
Mas depois some
Atrás da solidez do ermo
Sem sentido nem nome

É capaz de cair do pé
A caminho de fincar-se
Sem nem bem florir
E o que antes deveras fosse
Agora se espalha em galhos
Soando feito flauta doce

E quando o sempre vira praxe
Mas não é mais domínio
Sobre o breve ou transcendental
Todo ser amado
Criado e vivido sob fascínio
Há de ter o seu final

Já que desapaixonar-se
É um talvez logo cedo
Um barco a vela
Desprovido de remos
E ilhado em lajedo

Já que desapaixonar-se
É num piscar de olhos
De um álibi faz-se pluma
Engana como bruma
E desengana o apaixonar-se

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Prioritário

Se tiver você
Há conflito
Eu vibro e reflito
Mas largo tudo
Mergulho fundo
Sem medo do escuro
Atendo num segundo
E esqueço do mundo

Universo que vira casulo
Manta sem preço
Primavera sem endereço
Salto de ventura infindável
Do fim ao começo
Um jardim interminável
Afeto a que me vinculo
Com todo o apreço

Jogo o relógio fora
Só atendo suas chamadas
E amigo vira inimigo
Vou abatendo fantasias
E meu orgulho comemora
Contentamentos cultivo
Fico apenas contigo
E depois da partida
Ainda deixo você aqui
Um tempo longo comigo
Bem perto do meu umbigo
Dando vaga à saudade
De coração partido

Paraíso

Paraíso é eterno
Não tem tempo
Nem lugar
Cunha ilhas de amar
Não se extingue
Nem se esquece
Tem visita sem avisar

Paraíso é burlar
Seguir à risca os riscos
Dispensar o dia nascer
É se valer sem alugar
Ensaiar falecer
Por o brio a prova
E só o medo perder

Paraíso é viver
Ser presente frente ao vento
Tomar banho de mar atento
Percorrer bossa e choro
Fazer samba no peito
E eternizar entretido
Cada rio de proveito

terça-feira, 13 de julho de 2010

Idéias

Dizem que eles falam pouco
De pessoas
Pois os ricos de mente
Intelectualmente
Falam de idéias.

Teorias vazias
Já que as pessoas
São as próprias idéias
Mesmo as não tidas
As não bem-vindas
Ou as tardias.

Balelas
Já que elas
São as próprias
E talvez as minhas
Ou as velas
Que iluminam
As idéias belas.

Elas só são o impulso
O pulo no pula-pula.

Mas depois vem a inércia.

A inércia de quem cala
E da vela
Já que dela
Apagam-se as chamas
E as idéias
Sem fala.

Já que pessoas
Se apagam
Acesas
Delas e delas;
Das pessoas e das idéias;
Mesmo das boas.

Antes

Não há o que se chorar
Pelo leite não derramado
Já que nem houve deleite
Ou nenhum desprazer
No que foi autuado

Não há que se ecoar
O não dito
Se desde o início
O pássaro deita no vôo
Além do seu vício
Seu medo bendito
De se passar
Como passageiro
Tão leve e simplício

Incrível a sinfonia dos “se”
A quasidade dos “talvez”
Nesse misto de alegria
E breve euforia
Com o raio limítrofe da dor
Entre o bífido torpor
Da lucidez (sensatez)
Com a embriaguez
Desse ou de qualquer louvor (amor)

O bom é se ver o não
Tão de longe, a pairar
E poder fazer do não feito
Um, ainda, sim
Imperfeito
Um proveito
A se a aproximar

O mundo é assim: sesmo
E igual a estar a esmo
É girar
Como uma vida cíclica
Pirar
Há sempre que se sorrir
Do que se por
A chorar
Por um tempo em que
Não se perdeu
Antes mesmo de investir
No que se quer
Ganhar

terça-feira, 6 de julho de 2010

Sinceramente

Vezes tem-se que limitar uma verdade para não incitar a mentira nos outros...
Vezes tem-se que sustentar uma omissão para que os outros não sejam tão pagãos...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Respirar

Escrever pra mim
É um respirar
É vital
Um processo natural

É já saber o que se deve fazer
É automaticamente inspirar
Encher os pulmões de verbalizar
E exprimir tudo o que vier entreter

Mas é também se conscientizar
Que nem tudo é de se aproveitar
Mas que tudo faz parte
Do que lhe chega
E do que lhe é expirado
Principalmente como arte

Então é importante lembrar
De bem se contemplar
O que é escrito
E bem distribuir
O que lhe é respirado
Seja em um simples bafo quente
Ou no ar condicionado

Amigo

Ele se fez distante
Apesar de bem aconchegado
Em minha mente
E na minha estante

Foi malandro
Deu saudade
E mal quis me ouvir
Saber da vil verdade

As desculpas ditas
Depois de anos
Ressoarem leve
Como um vento breve

Delas nem precisava
Pois o nosso caso
Desculpem-me as outras
É na alma que estava

Sorrateiramente
O tempo urgiu
Me abençoou de novo
E meu amigo ressurgiu

Não é descritível
Pois até o desconhecido
É por mim reconhecido
Se tornando inconfundível

Adoro te redescobrir
Sentir teus estios
Conversar às estrelas
E desabafar meus vazios

Vivo tudo com carinho
Sonho e dou risada contigo
Entendo de pedras no caminho
E te tenho como melhor amigo

Pois a unidade desse amor
Me preenche de satisfação
E mesmo sob um bom vinho
Me livra de qualquer torpor

domingo, 4 de julho de 2010

Um amor não amor

Eu quero um amor
Que não seja amor
Que não faça muitas perguntas
Mas que entenda meus motivos
E minhas respostas

Quero um amor que
Mesmo sem ser amor
Me entretenha
Porque amar sem entreter
É disfarçar
E entreter-se apenas
Pode supor amar

Eu quero um amor
Viajante
Destilante
E simplício
Um homem de festas e riso
De velas e choro

Quero um amor sem sonhos
Só com sonos bons
E amanheceres de sol
Quero mudar
Sem mudar de vida
Nem nada

Quero ser eu mesma
E me descobrir milhares
Mas inteira
Nesse amor
Não amor

Sangue intempestivo

Depois da rebeldia
Adrenalina que me guia
Vem o encanto
O velho sangue
Embebido de alegria

Enquanto as paredes
Se dilatam
Deixo correr a fantasia
O romance, a serventia
Brasa que aquece a palha
E ensurdece a sinfonia

Composição na veia
E febre que incendeia
É um grito leve
De reação em cadeia
Liberação imersa numa teia
Que transforma
Tudo que não deve
Em imensa agonia
Tempestade que ladeia

sábado, 3 de julho de 2010

Cimento

Meu cimento ideológico
É meu sentimento
Algo que me envolve
Me comove
E me molda sem solda
Que eu movo como sopa
Que eu trago solta
No meu caldo de vida
Na minha comida
O que me alimenta
E como viga me sustenta
De um cimento
Meio endurecido
Meio amolecido
Pelo mar de concretos
Que me intensifica
E me umidifica
Areento
E enfurecido

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Ateu

Assim como um amor
Quero escrever
O que entretenha
Entretanto
Me convenha (!)
Estou esperando a chuva passar
E aguardo que a inspiração venha
Me visitar
Mas, Deus a tenha (!)
Pois não preciso de rito
Nem de senha
Falo tudo que quero
Ainda que já o tenha dito
E tenho tudo que preciso
Esse meu sentir maldito
Que me cerca
E liberta
No divino canto ateu
E na bendita lenha
Da escrita
Que me atenha

Pessoas

As pessoas se escondem
Seletas e em silêncio
Abominam suas próprias presenças
Têm medo de não saber de si
Medo de não ter aonde ir
De onde vêm ou para onde vão

As pessoas se enterram em vitrines
Se afogam em telas
E se esquecem
Elas vivem globalizadamente
Na solidão
Querem a todo custo estancar
O que as faz sangrar

As pessoas procuram secar tudo
O que as faz chorar, gozar, suar e aguar
Parecem que morrem
Antes mesmo de se sentir
Vivas
Antes mesmo de se encontrar