domingo, 27 de junho de 2010

Viajar

Sem pedir licença
Eu pedi espaço
Me fiz raio de vento
Me perdi no tempo
E viajei

Agora busco atenta
Nas vagas lembranças
Do que me venta
Estar de volta
E me por a postos
Do que restei

Pois se antes fui corpo
E nesse vasto mar me atirei
Num só balbuciar
Hoje me vejo alma
Quase morto
Sem nem um porto
Pra onde eu mesmo visitei

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Interior

Nem sei mais o que existe em mim
Sou algo que ferve por si
Algo que se expande sem medo
E posso ser matas extensas cheirando a chuva

Visto simplicidades que engrandecem uma rotina fria
Lembranças leves que enternecem lágrimas vis
E tenho sonhos cintilantes e musicados

Talvez eu prefira essa imprecisão
Talvez eu caiba mesmo só nessa minha imensidão
Nesse interior de intenso existir
Um interior sedento de exterior

domingo, 20 de junho de 2010

Voar

Incrível sensação
Ver girar o mundo
E estar parado
Ausentar-se de si
Sentir-se desligado

É andar de carro
Com o vidro escancarado
E mesmo de ar condicionado
Sentir o calor do vento
Me deixar emocionado

É longe dos anseios ficar
Relva em todo plano notar
Estrelas fazer brilhar
E dizer sem rodeios
O que nem se precisa falar

Querer tudo decidir
Decifrar enigmas
Remediar dores
E inventar saídas
Visitando amores

Saber correr forte
Transpor as luzes da sorte
Não cansar de ir ou voltar
É navegar no mar do tempo
Sem ao menos sair do lugar

Mergulhar na cachoeira
Sentir o peso da chuva
Indescritível trajeto
Respirar o afeto do efeito
De planar de peito aberto

Fechar os olhos
Pensar em você
Recuperar boas memórias
Sorrir sem sentir
E inspirar novas histórias

Voar é estar livre
Ver e bem enxergar
Pensar sem esforço
Sentir sem remorso
E escrever sem esboço

sábado, 19 de junho de 2010

Engana

Se engana
Quem me chama
De lua
E dessa fama
Infame
Se engane
E assim
Me conclua

Noite ou dia
Sou cigana
Serventia
Da própria chama
Verbo que inflama
Onda que irradia
Em versos
E ironia

Engana é
O de jeito manso
E peito expanso
Que o vôo plana
Da ave serrana
E desdobra a busca
Que logo atenua
A eterna flama
Mundana

Se engana
Quem se deixa
E quem fecha
A ventana
Escondido
Nessa sombra
Soberana
De cabana

Sem engano
Prossigo sacana
Peregrina pagã
Mas bem vestida
E insana
Enxergando a saída
Da vida
Em um plano
Muito mais que profano

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Partida

Minha partida
Foi como a neblina
Na janela ao lado
E sua ausência
Foi a saída
De qualquer chegada
Sem buzina
Recado
Nem nada

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Amores catados

Sobre amores catados
Nada a declarar
Só quero lembrar
Que as partes catadas
Enfim
Não me fazem falta
Prefiro assim
Ser parte múltipla
Untada
E desmembrada
Mas desmemoriada
De um catar sem fim
Que perdida
Ou largada
De mim

Pé de longe

Distante
Em um perto longe

Naquele dia
A noite estava fria
Sem pé e vazia

Não havia
Nem um pé de sol
Nem um pé d’água
Nem um pé de pinga

Não havia
Nenhum pé de chumbo
Ou pé de sonho
Meus próprios pés estavam atados
E desengatados

Não havia
Nenhum pé de sombra
Nem um pé de manga
Nem um pé de gente
Até que deveras sem pé
Me veio um pé de vento

A muitos pés
Esse pé de vento
Pé de longe
Que veio cá dentro
Apesar dos pés e ares
E sem pé nem cabeça
Te trouxe a meu pensamento

terça-feira, 15 de junho de 2010

Carma

Carma
Para mim
É a resiliência
Do destino

Arte

Num jogo de idéias
Eu penso em arte
Como quem pensa na vida
Pois se em mim
A arte se reparte
E dela eu faço parte
É como se para viver
Eu tivesse que agir à parte
Revivendo e recauchutando
Tudo que me faz perecer
Pois seja noite ou dia
Na tristeza ou na alegria
Essa arte que me tenta
E que me vem reinventando
Só é viva porque a vivo cantando
E só é viva ao entreter
Cada pedaço meu (mesmo morto)
Que deixo a escrever

domingo, 13 de junho de 2010

Bruta

Há tempos duvidavam
Pensavam que só os bobos amavam
E eu era um deles

Depois perceberam que não há caminho
O amor cumprimenta sem nem se saber
Mesmo quando não se está sozinho

Às vezes ele tem cara de inimigo
Em certas ocasiões se apresenta por acidente
Noutras, aparece como um bom castigo

Desculpem-me se sou assim, bruta
Não me há conjuntura mais viva
Todavia a brutalidade não é absoluta

Os brutos também amam
Eles são os mais românticos
E eu sou um deles

Amor é orgulho que lapida o ser
Sentimento em eterna luta com a razão
Faz-me bruta, mas com olhar de imensidão

sábado, 12 de junho de 2010

Escrever

Ao escrever roubo palavras como uma ladra sem culpa.

Roubo as palavras do amigo, roubo-as do bico do passarinho. E minhas palavras se tornam vento, quando ele grita uivante e eu roubo suas palavras. Roubo as palavras dos cheiros, de outros versos e de cicatrizes.

Ao escrever, eu roubo as palavras das cruzes, palavras das memórias e palavras inventadas. Eu roubo a combinação de letras que melhor compor meu estio; e roubo também certas palavras, cheias de vazio.

Roubo palavras de guri e de sábio; do contingente flácido das minhas asneiras.

Eu roubo palavras, mas as planto. Não sei que flor dará, nem se um dia brotarão frutos; só sei que dos roubos eu crio um jardim. E esse jardim não é meu; é do mundo.

Eu cuido, rego de novas ou velhas palavras, paridas, trazidas ou simplesmente roubadas, e vou podando suas sílabas-folhas. E as palavras que roubo, quando no papel, são mais um retrato da unidade desse universo.

As palavras plantadas em grafite ou tinta estão contidas na própria planta, parte transcrita de vida; parte partida de palavras deixadas ou roubadas numa escrita.